terça-feira, 30 de dezembro de 2008

IV, Tiago Guillul



Chego, enfim, ao melhor álbum nacional do ano. É também o melhor álbum do ano. Para mim, claro. Não era muito difícil adivinhar, bastava ir ao início deste blogue, por exemplo. Em meados de Janeiro, foi-me oferecido este álbum no concerto d'Os Pontos Negros na MusicBox, em que o Tiago Guillul e família fizeram a primeira parte. Soube ali, logo, que estava a assistir a um momento de viragem na música portuguesa. Há um ano pouca gente sabia o que era a FlorCaveira, éramos uma centena num concerto quase para amigos e curiosos mais atentos e só o Henrique Amaro é que se atrevia a passar as músicas do Tiago Guillul na rádio. Hoje está tudo diferente. A FlorCaveira é a editora responsável pelo renascimento da pope portuguesa, não há ninguém no meio musical que a ignore e Tiago Guillul passou a ter o merecido destaque, que já tinha há uns anos na blogosfera como Tiago Cavaco. Há aqui talento, muito talento. O álbum IV não engana ninguém, é um álbum de desafio. Desafio a todos os níveis. Tiago Guillul é um protestante numa terra de católicos, e um homem da religião num tempo de pessoas sem fé. Desafia as mentalidades, a pensar. Não é só ouvir e ir achando graça. É ouvir, descodificar e perceber que isto é sério. O mais sério e o melhor que se ouviu esta década em Portugal. O resto é para dançar. Dançar, porque é para isso que as boas canções são feitas. Engraçado é perceber que foram os Vampire Weekend que influenciaram os ritmos africanos espalhados pelo álbum, e ainda melhor entender que foi Kanye West o inspirador da atitude hip hop de IV. Com este ritmo e esta atitude, desde Variações, nunca houve ninguém. Guillul, pregador baptista, casado e pai de três filhos.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Manuel Fúria: Da Boca do Inferno

A melhor canção do ano é: "Da Boca do Inferno" do Manuel Fúria. Estava indeciso entre esta canção e a "Dentes de Lobo" do Tiago Guillul e a "Anda que está dura" do B Fachada. E também entre a "Tarde Livre III" d'Os Golpes, mas esta é já a melhor canção de 2009, altura em que será editado Cruz Vermelha Sobre Fundo Branco. Destas três só dá para escolher uma e a urgência da canção "Da Boca do Inferno" coloca-a acima das outras. Uma canção que foi gravada como foi criada. Foi composta, tocada e interpretada por Manuel Fúria. Há por aí umas filmagens da gravação da bateria que valem muito, de certeza. A canção está na compilação A FlorCaveira Apresenta o Advento. Começa com o grito "Manuel Fúria, Da Boca do Inferno" e depois entram as guitarras e os tambores e a meio da letra, em tom confessional aberto e despojado, entram os coros, de ópera, a compor tudo. O final é apoteótico e estranho, como se não houvesse um fim. Meio acabada e perfeita. Entre os Joy Division e os Arcade Fire. A letra fica aqui.

Ai, Jesus
Dá-me uma razão p'ra não
Aquilo que incendeia toma o lugar dos braços
Dá-me uma razão p'ra não

Menino, falta-me o incenso

Queria poder bailar a canção que a estrela fez cantar
mas não soube escutar

Ai, Jesus
Já não sei rezar
Já não sei fazer aquilo que queres que eu faça
Dá-me uma razão

Menino, falta-me o incenso

Sou como um país
que está por fundar
Espécie de tambor
que fará ressoar
o teu amor

domingo, 28 de dezembro de 2008

Nouns, No Age



O melhor álbum internacional do ano é o Nouns dos norte-americanos No Age. Não foi uma escolha fácil, mas no ano em que regressei em força ao roque só podia escolher, naturalmente, um disco de roque. Alguns dirão que não há mais nada a inventar no roque e até é verdade, mas no fim o que interessa são as canções. Canções e álbuns. Aquela forma de ouvirmos música, começando na primeira até chegar à última. O disco dos No Age é um disco sólido e curto, um disco que transborda o espírito vivido nesta década para os lados de Los Angeles, Califórnia. Tal como há uns anos atrás em Seattle, nasceram nesta década grupos sem fim, muitos com origem num clube à margem de tudo, The Smell. Aos No Age juntam-se nomes como os de HEALTH, Abe Vigoda, Mika Miko, The Mae Shi ou BARR. Todos eles munidos de um espírito independente e de regresso às origens, juntaram-se e fizeram música para quem quisesse ouvir. Apenas isso. Os No Age são os pontas-de-lança desta série de bandas e no álbum Nouns comprovam-no com canções pope curtas e grossas como "Eraser", "Here Should Be My Home" ou "Brain Burner". E o que dizer de "Teen Creeps", a segunda parte da "Smells Like Teen Spirit" dos Nirvana. Os No Age são os justos seguidores dos Sonic Youth e dos Pavement, no roque independente americano, e fazem-no apenas com uma bateria, uma guitarra e voz. Algo que ao vivo soa ainda mais descarnado e real.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Animal Collective em Barcelona

Começo hoje a avaliação do ano que está a acabar. Ao contrário de outros anos não vou publicar nenhuma lista, apenas nomear os melhores do ano. O primeiro destaque vai para o melhor concerto do ano. Foi um dos últimos concertos do festival Primavera Sound, já na madrugada do dia 1 de Junho, no palco virado para o relvado. Fiquei do lado direito do palco, junto às grades e junto à grua da camâra que viaja por cima do público. Pensei que os Animal Collective só davam concertos em armazéns refundidos do outro lado do rio, mas em Barcelona foi diferente. Um palco de festival, um público de festival, milhares de pessoas juntas por causa da banda mais importante dos anos zero. Já não me lembro do alinhamento, mas lembro-me que no meio da parafernália de maquinaria em cima do palco e das luzes grandes colocadas na vertical, tocaram a "Grass" e a "Peacebone" e as melhores do novo álbum, na altura ainda sem nome, como a "My Girls", a "Summertime Clothes" e a "Brother Sport". Um concerto com espírito de dança, de música de dança, uma rave na ponta mais a norte de Barcelona. Depois do concerto abateu-se uma tromba de água sobre a cidade e enquanto andava no aeroporto, para apanhar o avião para Lisboa, vislumbrei o Noah Lennox sentado junto a uma coluna, de hoodie. De regresso a Lisboa.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Três Pátrias

Quando me mudei para a Rua Manuel Bernardes não sabia quem era Manuel Bernardes. Agora já sei que foi padre, lisboeta e contemporâneo de António Vieira. Pode ser só um acaso, mas a vida não colocaria no meu caminho um dos clássicos da literatura portuguesa só por acaso. Deixo aqui algumas palavras que encontrei, que aumentaram o meu saber e são perfeitas para este tempo de celebração do nascimento de Jesus.

Qualquer homem tem três pátrias: uma da origem, outra da natureza e outra do direito. A pátria da origem é aquela em que os nossos maiores foram e viveram; a da natureza é a terra ou lugar onde cada um nasce; a do direito é onde cada um é naturalizado pelas leis ou príncipes, e onde serve, e merece, e costuma habitar: neste sentido disse Túlio de Catão que tivera a Túsculo por pátria da natureza, mas a Roma por pátria do direito.

Quanto à pátria da origem, todos os homens somos do Céu, porque ali está, vive e reina o nosso pai celestial, que vai criando as almas e unindo-as a nossos corpos.


Pe. Manuel Bernardes

sábado, 20 de dezembro de 2008

A Urbe e a Selva

Interessante também tem sido acompanhar, um pouco mais longe, a evolução da música urbana durante o ano que passou. Música urbana pressupõe música criada na cidade, na urbe, ou por pessoas da cidade. Também há roque criado por pessoas citadinas, mas não é bem do roque que escrevo, o roque está morto. A cidade enquanto forma de organização populacional está sempre em constante mudança. Da pólis até à metrópole. Hoje, dentro das cidades e das metrópoles há cada vez mais aldeias. Os habitantes e criadores de música urbana vivem nestas aldeias, guetos urbanos, que podem ser na Europa, na América ou em África. Este ano adensou-se ainda mais a relação entre os guetos de cada urbe, juntando-os cada vez mais, até no tipo de música criada. Lisboa tem o Buraka Som Sistema que colabora com DJ Znobia de Luanda e a M.I.A. de Londres. Já DJ /rupture, em Nova Iorque, imagina um mundo só dele, enclausurado na urbe, no novo disco Uproot. Ser urbano hoje é também, de certa forma, ser cada vez mais rural e primitivo.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Consoada

Hoje é Natal. Mas só para quem foi ontem à consoada. A consoada da FlorCaveira. Correu bem, muito bem mesmo. Sala esgotada, mas não a abarrotar e com todos os artistas ligados à editora. Tiago Guillul, o líder espiritual, congregou cristãos e ateus, meninas e meninos, senhoras e senhores. Ele mais Samuel Úria, Guel, Os Pontos Negros, Te Voy a Matar, B Fachada, João Coração, Jorge Cruz e Manuel Fúria e o convidado surpresa, Rui Reininho. E eu, o Almirante, a tomar conta do alternador. A festa foi o prenúncio da consoada de 2018, a ser celebrada no Coliseu dos Recreios, com transmissão em directo na TVI, após o Jornal Nacional com Manuela Moura Guedes, a jornalista e cantora de "Foram Cardos, Foram Prosas". Também é bom ver toda a família, depois de um ano de trabalho, no centro da cena mediática. Por aqui continuar-se-á o trabalho de busca de novos artistas. Venha 2009.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Pato Donald

Este Natal podem oferecer-me o novo livro do Pedro Mexia, "Nada de Melancolia". Mas ofereçam-me a versão falada, é preferível, se existir. É que raramente chego ao fim do primeiro capítulo dos livros que começo a ler e assim nunca chego ao fim. A versão falada, ditada pelo autor, é muito mais fácil de terminar. Ah, e da próxima vez não marquem a data de lançamento para a mesma noite de um concerto de Smix Smox Smux. Entre festas de lançamentos de livros apresentadas por Rui Reininho com música escolhida por Nuno Miguel Guedes e José Diogo Quintela e um concerto da melhor banda de Braga, prefiro o concerto da melhor banda de Braga.

Crónica Pato Donald

sábado, 13 de dezembro de 2008

Advento

Advento quer dizer chegada, e o Advento é também o primeiro tempo do ano litúrgico. O ano bissexto em que estamos também está a chegar ao fim. Ainda não é Natal, mas é quase, antes do Natal há o Advento e é um tempo de alegria e de espera. Ainda não é fim do ano, o fim do ano bissexto é só no último dia do mês de Dezembro. Mas porquê esta lengalenga toda? Antecipar e viver alguma coisa antes do tempo é o mais comum dos nossos tempos. Não deixar as coisas chegar ao fim ou ao início também. Este ano não quero fazer uma lista de melhores do ano. Vou eleger apenas os melhores do ano. Álbum nacional, álbum internacional, concerto e canção. Mas só depois do Natal.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Clássico do Hip Hop #1

Hoje volto ao hip hop. Ainda não descobri tudo o que devia no hip hop, mas isso não impede que inaugure uma espécie de rubrica dedicada ao hip hop. É simples. Apresento um vídeo de uma faixa de hip hop que acho relevante na história e registo no blogue o artista, álbum, ano de lançamento e parte de um dos versos da faixa escolhida. Começo com a faixa "Liquid Swords" do segundo álbum, com o mesmo nome, de GZA, membro do Wu-Tang Clan. O álbum foi editado em 1995. Este single tem também a participação de RZA. Depois, um dia qualquer, faço o mesmo com o House.

Artista: GZA/Genius
Faixa: Liquid Swords
Álbum: Liquid Swords
Ano: 1995
Verso: I'm on a Mission, that niggaz say is Impossible
But when I swing my swords they all choppable


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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Armazenado

Está armazenado. Mais um festival, de quase Inverno, novo e com um conceito que baralha os horários de todos. Antes de tudo, não entendo as críticas ao formato e ao facto de estar associado a uma grande marca. O que interessa é que há cada vez mais bandas a tocar na altura certa, cada vez mais oferta e também parece haver público. Mais dois dias de boa música. Do que assisti, a confirmação que o disco Magnífico Material Inútil só teria a ganhar com a "Salomé", Santogold a fazer a festa urbana num Tivoli de revista, Marcelo Camelo num registo sossegado e simples com arranjos por todo o lado e a impenetrabilidade dos The Walkmen de um roque épico para assistir impávido e de mira bem atenta. E os doilmileoito a apresentar os temas do novo disco a ser lançado em doismilenove e o Coração a convidar os amigos para o palco. Lisboa e a Avenida da Liberdade ganharam com este festival e as bandas e o público também.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Caído no Ringue

A canção "Caído no Ringue" d'Os Quais já anda a circular por aí na rede. Isso atira-me logo para o que me chama mais na canção, a declamação de José Tolentino Mendonça a meio da mesma. A canção vai ser um êxito, já o é aqui em casa, mas a interpretação do poema "Sobre um improviso de John Coltrane", escrito p'lo declamador, impressiona e destaca-se. Então vai assim:

Ainda espero o amor
como no ringue o lutador caído
espera a sala vazia

primeiro vive-se e não se pensa em nada
não me digam a mim
com o tempo apenas se consegue
chegar aos degraus da frente:
é dificil
é cada vez mais difícil entrar em casa

não discuto o que fizeram de nós estes anos
a verdade é de outra importância
mas hoje anuncio que me despeço
à procura de um país de árvores

e ainda se me deixo ficar
um pouco além do razoável
não ouvem? O amor é um cordeiro
que grita abraçado à minha canção