domingo, 20 de julho de 2014

Dia Cinco do Primavera

Para o fim ficou a descrição do último dia do festival, o mais curto de todos mas aquele que se revelou talvez o mais recompensador. Apesar do festival Primavera terminar os concertos no recinto principal no Sábado existem ainda concertos no dia seguinte, numa continuação de eventos que se estendem pela cidade. Começámos o dia de concertos nos jardins da Cidadela com os Boogarins. Os Boogarins praticam aquele róque psicadélico aparentemente retro, mas que tem muita vida e muito charme. As letras são de um português luminoso que caem bem sobre aquela manta de retalhos sónica. O sol brilhava alto, o calor aparecia e a aquele fim de tarde me pareceu bem bacano. Seguimos para o concerto das Dum Dum Girls, o segundo da banda no festival, o primeiro que vi, mas só até meio. As canções das Dum Dum Girls também são doces e dóceis, apesar de toda a pose róque. Há singles que se cantam baixinho no meio do calor, rodeados de gente, num espaço que foi pequeno para acolher tamanha romaria. Seguimos então para a porta do Barts, um espaço de concertos na zona da Parallel, um teatro com lugares limitados. Acabei por entender que teríamos sido demasiado cautelosos com a possibilidade de ficar à porta. Acabámos por ser os segundos da fila, que começou a formar-se cerca de uma hora antes das portas abrirem. Esta decisão fez com que ficássemos com os melhores lugares da sala, numa espécie de camarote com cadeiras individuais, onde conseguimos descansar e aproveitar os concertos naquela sala de uma forma privilegiada. O alinhamento da noite seria iniciado com Joana Serrat. Um concerto de aquecimento do ambiente desta cantautora catalã que apresentou canções de inspiração folque cantadas com recurso a uma só guitarra acústica, a maior parte cantadas em inglês. Seguiu-se Grouper. O concerto de Grouper já captou a nossa atenção de outra forma. A partir de sons gravados em cassetes, Grouper construía o chão de canções baseadas posteriormente em teclados e na sua voz. O que se escutou foi onírico e encantatório. As canções fluíam de forma lenta, em formato drone ambiental, a voz a repetir a melodia e imagens ampliadas a surgir da natureza que nos rodeia. A profundidade e a repetição com pequenas variações foi avançando ao longo do concerto em vários temas, de várias formas. Até terminar repentinamente com o fim de uma das canções e fuga da artista do palco, sem se dirigir por uma única vez ao público. A terceira do alinhamento do teatro Barts foi Juana Molina. Terá sido o concerto mais desinteressante do dia, mas o público adorou. Não ficámos rendidos àquelas canções de base electrónica e tradicional cantadas em espanhol. Chegava finalmente a hora do concerto de Angel Olsen. Terá sido também por ela que fomos a Barcelona e não nos arrependemos. As canções da Angel Olsen são cruas, mas completas. São épicas, mas simples. São claras, mas tristes. Há naquelas canções e na sua interpretação uma seta que acerta no coração, que arde de sentimento e bate forte com a cadência e o perigo do ritmo. As primeiras canções são apresentadas em banda e as últimas já a solo. Foi interessante ver a mudança no público da sala, que primeiro conversava ao longo das canções para no fim assistir em silêncio sepulcral à interpretação a solo. Angel Olsen tem naquela voz, nas letras e nas melodias, tudo o que importa. A gravidade, o talento e uma enorme disponibilidade. O resultado foi um concerto tão frágil quanto forte. Fortíssimo mesmo. Possivelmente nunca mais a veremos assim. A pele eriçada no fim das canções não mente, as lágrimas também não, foi um momento memorável. O momento em que saímos sem palavras de um espectáculo que nos relembra a razão para gostarmos tanto de canções e de gente que as cria e as interpreta. Assistimos certamente ao melhor concerto do festival nessa noite. O último e derradeiro concerto de um festival excessivo e exaustivo, do qual levamos memórias inesquecíveis.

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