Rápido Demais

Há um tempo em que o tempo passa mais rápido. Apenas porque esse tempo é aproveitado ao máximo desde o início do dia até ao fim. Aproveitado para estar com alguém que está sempre do meu lado, mesmo que fisicamente por vezes esteja longe, quando viaja para Liverpool ou Houston. Há esta sensação clara, muito óbvia, que ao mesmo tempo que se consomem as horas, todas as horas são gastas com a vida em comum, a preparar um jantar, a planear uma ida ao cinema ou simplesmente a adormecer para acordar no outro dia. A volta de um circuito que se repete sem cessar até que um dia o coração deixe de bater. E tudo passa rápido demais.

As Imagens

Olhar pelo retrovisor do carro quando saímos de manhã cedo para o trabalho e ver uma pintura impressionista, formada pelo nascer do sol alaranjado e nuvens cinzentas claras. Chegar à estrada que desce para a aldeia do meu avô materno e ver uma povoação no meio de montes aninhada no vale de um ribeiro. Voltar no autocarro da rede da madrugada em elevada velocidade e chegar a casa ainda de noite pelo meio das poças da tempestade que assolou a cidade. São as imagens que me recordo, em dias de regresso à assistência de concertos de sons electrónicos, agressivos, minimais, melódicos. O cansaço sentido no primeiro dia da semana é compensado por todas estas imagens. Um conjunto fortíssimo da festividade da minha vida.

Remodelar a Estação

Saio de casa, desta vez com os auscultadores postos, chego à estação e vejo os muros pintados de rosa e roxo. A malta do bairro e dos grafítis decidiu remodelar a estação, o apeadeiro de Marvila. Para já ainda há muros à espera dos desenhos ou das letras que identificam o grupo. Como a estação não é remodelada por quem a gere esta é forma de a manter viva. Recordo por isso a zona de Queens onde ficámos a dormir, a duas estações de metro de um prédio cheio de imagens e cores vibrantes, onde acabámos por esbarrar à porta do museu, porque tínhamos de comprar um bilhete para uma festa de Verão num bairro de Nova Iorque dentro do espaço do museu. Foi assim que acabámos a tirar fotografias a um prédio cheio de grafítis. No meu bairro estão a remodelar a estação.

Subitamente

Com a alteração súbita de horário o dia esticou e o tempo livre também. Há subitamente tempo para ensaiar e terminar a estrutura das canções que irão completar o primeiro disco inteiro. Há mais tempo para começar a tocar viola com mais destreza, com o aumento da velocidade entre a mudança dos acordes e ritmos mais aproximados ao esqueleto final das canções. Há tempo para começar a criar mais esboços de linhas melódicas para o futuro. No fim do dia chega a minha mulher, após um dia de trabalho maior e mais completo. No fim de semana já deu para passear e para namorar, já deu para aproveitar estes momentos em que somos só nós apenas, enquanto o disco inteiro não chega, enquanto a família não aumenta.

Luz do Quarto

Tenho reparado, agora que já vivo nesta casa há dois anos, que o nascer do sol começa a ficar alinhado com a janela do nosso quarto entre o início de Outubro e o fim de Março. Quando os dias começam a diminuir e o sol começa a enfraquecer à medida que a Terra roda à sua volta, formando a sua órbita. Obviamente isto acontece porque estamos inclinados, isto se considerarmos os ângulos rectos que as rectas imaginárias que atravessam o espaço formam. A luz que entra no nosso quarto vai até ao fim do corredor, até ao fim da casa. Nessa hora desligo as luzes e começo a preparar-me para sair de casa. E levo esta luz que entrou no quarto comigo no pensamento.

Outubro

A luz outonal do início de Outubro, o regresso a casa no comboio de sempre, as nuvens que se formam como algodão. O cenário começa a ficar propício e apesar das árvores estarem a ficar com as folhas amareladas começam a surgir as pequenas plantas e o musgo após uma semana de chuva contínua. Os dias diminuem à medida que a luz começa a ganhar a claridade certa. Vai ser um mês claro, com viagens até ao centro do país, com jantares românticos e de celebração dos anos que passam. Para parar o tempo temos que registar esses momentos, como o momento em que se cantam os parabéns a você quando se completa um ano de vida. Mês completo, este mês de Outubro.

Ao Aeroporto

Há almoços com a família para nos despedirmos da irmã que parte para o Oriente e há idas e voltas ao aeroporto para a despedida final e para reencontrar a família que vive no centro da Europa. Há chuva que cai de forma constante mas que não incomoda, apesar de ser ainda o início do Outono. Há dias a arrumar e a seleccionar aquilo que ainda vale a pena. São episódios destes dias em que a rotina invade o dia e a noite. Estacionamos o carro no bairro residencial e a humidade e o nevoeiro são a companhia enquanto subimos até ao átrio do aeroporto e à noite regressamos ao mesmo local para sorrir e receber quem regressa. A partida e a chegada, a despedida e o encontro.